Saí do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio após 3h de me deparar com algumas pessoas com movimentações curiosas. Tentei sair por 4 vezes antes disso, mas sempre algo me chamava atenção e me atraía novamente para dentro do museu.
O que ocorria dentro era uma “situação construída”, termo adotado por Tino Sehgal (cunhado pela Internacional Situacionista), que elabora este tipo de “performance” executada por “pessoas comuns” a quem seleciona com auxílio de sua equipe.
Nas três horas que fiquei lá, tentei participar e assistir das mais variadas formas. De início, passei diretamente por eles e fiquei lá de cima da rotunda observando-os cantar algo que me parecia um mantra que posteriormente pude ouvir mais atentamente e decifrar algumas expressões como “elementary forces” (forças elementares), “natural processes” (processos naturais). Em um momento oportuno, perguntei aos performers e uma delas me disse que o canto tem origem nas palavras de Hannah Arendt, filósofa alemã (conhecida pela polêmica de seu livro Eichmann em Jerusalém e a discussão da banalidade do mal – mais informações aqui). Após uma pesquisa rápida na internet, descobri que o mantra é feito a partir do livro “A condição humana” em que se aborda a instrumentalização das relações humanas.
Após assistir um pouco do segundo andar, parti para a imersão e comecei por seguir os movimentos dos participantes. Rapidamente fui abordada por uma delxs, que me contou como a partir de um momento de depressão e desespero descobriu a meditação. Todas as pessoas que me abordaram pareciam estar realmente envolvidas com suas histórias e procuraram evidenciar a sensação que os levava a contar aquela história, como a sensação de reconhecimento, de estar desapontado, de frustração, muitas delas mostravam o nervosismo evidente de se abordar um estranho para contar uma história pessoal.
Enquanto não estavam cantando ou contando histórias, elxs corriam, andavam muito lentamente ou faziam jogos de movimentos entre eles e também envolvendo os observadores, mas sempre formando algum tipo de agrupamento em sequências de trajetórias da multiplicidade em meio as mais diversas pessoas que compõem o elenco.
Tive a oportunidade de conversar com diversos dos participantes no horário em que estive lá e presenciar até uma delas se desculpando por estar envolvida em algum problema pessoal e não estar contando a história tão bem ou outro ser surpreendido quando descobri que tínhamos um conhecido em comum e perder o fio da meada. De qualquer forma, acho que estes momentos só reforçam a poética da situação, da emoção que emerge das histórias e das relações estabelecidas.
Esta performance parte de lembranças e de memórias dos participantes para criar, pelo menos em mim, momentos memoráveis que se tecem a partir da real conexão entre público e obra, produção de presença na relação olho no olho e de uma intimidade efêmera. Após horas, ouvindo, conversando, correndo, cantando e rindo com aquelas pessoas, finalmente consegui ir embora. Quando saí do Centro, foi estranho andar nas ruas, continuar meus movimentos automatizados, sentar no metrô e encarar as pessoas, estranhas, olhando para o chão, para o teto ou suas telas, todas tão solitárias e adormecidas. Essas associações toca pela sua naturalidade, e pode até ser uma situação construída, mas seu valor existe em sua dose de emoção verdadeira. De certa forma, há uma relação com o último post sobre a peça Sleep No More, sobre este distanciamento cada vez mais presente nas relações humanas e sobre a ansiedade que senti em encontrar alguém naquele ambiente e o uso da máscara para reforçar esta verdade que já existe em nosso dia a dia, sobre como ignoramos todos ao nosso redor em nossas trajetórias diárias.
Enfim, vale a visita e as próprias experiências, para quem ainda não viu, Essas Associações está no CCBB Rio de Janeiro até quarta-feira, 23 de abril de 2014. E para quem está em São Paulo, ou de passagem por lá, Tino Sehgal está apresentando mais 4 situações na PINACOTECA até 4 de maio. Se você já assistiu, ou se ainda for, me conta como foi a sua experiência, afinal o que precisamos são realmente essas associações. 😉